sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Happy-Go-Lucky

Happy-Go-Lucky - 2008

Inglaterra - 118min. Cor
Idioma: Inglês
Direção: Mike Leigh

Não é exagero dizer que os filme de Mike Leigh são, basicamente, experiências religiosas. Alguns deles, possuem inclusive evidentes analogias e referências bíblicas, especialmente no tratar da passagem de Jesus, e o contraste de seus valores morais, com os em vigência na sociedade da época.

Happy-go-luck não é diferente, assim como outras obras de Leigh, a fita gira em torno de um personagem central, que peregrina pela Inglaterra, encontrando - em tenebrosas e sombrias ruas, becos e vielas-, personagens que alteram ou o fazem refletir sobre sua visão de mundo. Em geral, esses personagens variam entre mendigos, loucos, sociopatas e homens frustrados, com vidas profissionais medíocres, expectativas nunca realizadas e profundo pessimismo e insatisfação a respeito de tudo que os cerca.

Aqui, como personagem principal, temos Poppy (maravilhosamente interpretada por Sally Hawkins), uma professora primária, que é a representação do título do filme: “Happy-Go-Lucky”, é um termo ou gíria, usado para caracterizar pessoas exacerbadamente otimistas e simpáticas. Poppy é tudo isso e muito mais, é cativante, carismática, linda e despretensiosa. E a mais importante de todas as características: é incondicionalmente feliz, mesmo levando uma vida provinciana e insignificante.

O filme não possui um enredo principal. Após nos apresentar Poppy, Mike Leigh divide sua estória em três subtramas, que se dão durante o cotidiano da personagem: 1. A convivência de Poppy com suas amigas e sua irmã, 2. Poppy em seu trabalho com as crianças. E a principal e mais interessante de todas: a relação de Poppy com seu instrutor de direção, Scott.

Scott é o arquétipo clássico do inglês médio, com em torno de 45 anos, dentes podres, linguajar simples e neuroses típicas de habitantes de cidade grande. Desde seu primeiro contato com Poppy, o contraste é evidente, Scott é mal-humorado, minucioso e extremamente detalhista quanto a seu trabalho. Enquanto Poppy, lida com as aulas de direção, como com todo o resto em sua vida, de forma irresponsável e infantil.

A partir da primeira - e catastrófica - aula, Leigh, discreta e inteligentemente nos apresenta uma gama de elipses e diálogos, que constroem uma tensão quase insustentável entre esses personagens. Scott, aos poucos, se mostra mais que um simples mal-humorado; se revela um homem amargo, com um passado misterioso, obcecado por sua própria tristeza; que tem sua competência como Instrutor de Direção, como única vaidade e válvula de escape de sua profunda melancolia. Competência essa, desafiada semanalmente pela petulância de Poppy.

O ápice da relação entre ambos, é também o ponto mais forte do filme, e se dá na última aula de direção de Poppy. Ela confronta Scott, diz ter o visto espionando em frente à sua casa e tenta entender o motivo - já que Scott sempre demonstrou desprezo por ela.

Nesse exato momento, Leigh nos entrega os mais belos, intensos e significativos diálogos do filme: Scott explode, dirige perigosamente pelas ruas, xingando, gritando e colocando a culpa em todos que passam a sua frente - ao mesmo tempo que, pragueja suas “verdades” sobre a sociedade, ele faz uma manobra arriscada e para o carro. Assim que o veículo bate na calçada, Polly, mesmo já fora do carro e de qualquer perigo, tira as chaves do contato e age como heroína, demonstra piedade e se nega a devolvê-las, ela demonstra temer pela segurança de Scott. Ele a agride, e essa agressão serve como catalisador para o diálogo que diz muito sobre as intenções de Mike Leigh em Happy-Go-Lucky:

- Scott, Você precisa de ajuda.
- Não me menospreze.
- Não estou menosprezando você.
- Sim, você sempre me menospreza. Isso é o que sempre quer. O que tem por meta. Esse é o jogo que você faz. Você me perturbou. Você me provocou. Você me paquerou. Me envolveu. Você calçou suas botas de salto alto, vestiu sua saia curta, seu top pequeno. ...e exibiu seus seios, jogou seus cabelos. Você mentiu para mim! Eu sou um instrutor de direção. Só quero fazer o meu trabalho. Me enrolou. E por quê? Porque você tem que ser adorada. Tem que ser querida. E você absorve os sentidos.

Assim como em outros filmes de Mike Leigh, o final não encerra a corrente de acontecimentos, a idéia da infelicidade inevitável paira no ar e bóia na mesma direção da corrente, que leva o barquinho Poppy e sua amiga Zoe, enquanto falam ao telefone, cercados por barcos, rumando todos na mesma direção, como claro subtexto ao aparente otimismo que o filme demonstra.

Happy-Go-Lucky está longe de ser uma comédia ordinária, é um pequeno e simpático conto a respeito de despersonalização imposta pela sociedade contemporânea e uma leitura sobre suas possíveis conseqüências.

Autor: Danilo

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